quinta-feira, 27 de julho de 2006

O clímax sinfônico

Ele estava só, como sempre. Ele era só. Ele desejou ser só. Sentiu as pernas doerem, já não eram tão leves como antes. Sentou em sua poltrona. Como era macia! O silêncio o abalou, e ele, com dificuldade, levantou-se e pegou um LP na estante: Uma coletânea de música clássica. Ligou o toca-discos, colocou na primeira faixa e sentou-se novamente. Queria ouvir bem alto, sentir a orquestra pulsar dentro do seu corpo. Vizinhos? O que eles queriam com a vida e com a música dele? Nada tinham a ver! Colocou o som no volume máximo. Aqueles chiados do LP, como engrandeciam a música! Imaginou como seria assistir a um concerto sem os chiados. “Ainda vou ser chiadista! Se ainda não existe, serei o primeiro!” Pensou e riu consigo. Idéias malucas sempre fizeram parte do seu cotidiano. Começou a pensar na trajetória da sua vida. Inúmeras lembranças surgiam e o emocionavam. Passou minutos, sentado na sua poltrona, ouvindo o seu LP preferido, no volume em que sempre desejou ouvir, mas nunca havia se atrevido, pois sempre pensou nos vizinhos e nas batidas de vassoura pedindo silêncio. Nada disso o desconcentrou. Ele conhecia muito aquele LP e sabia que já estava perto de terminar o lado A. A sinfonia agora ficava mais intensa, mais animada. Violinos, violoncelos, tímpanos, clarinetes, clarins, tubas, pratos, pianos; todos expressando a sua vitalidade musical. Uma grande mistura de freqüências sonoras harmoniosas. Como era lindo aquilo! Como seres humanos podiam desempenhar tão lindo papel? Lágrimas escorreram pelo seu rosto. Música e alma trocavam emoções simultaneamente. O disco se aproximava do fim, e ele sentiu uma tristeza súbita acompanhada de uma forte dor no peito. Os instrumentos indicavam o fim da sinfonia, logo o maestro faria o sinal com a batuta. As lágrimas tornaram-se mais densas e volumosas. A sinfonia terminara. A vida dele também. A platéia agora aplaudia o grande espetáculo. Muitas palmas. O disco finalizara. Terminaram, ali, duas estupendas sinfonias em perfeita sincronia.

domingo, 9 de julho de 2006

Vídeo Games, Vídeo Cassetes e Vídeo Vida

Há momentos em que a vida pára: Apenas internamente. Paramos ou queremos parar por dentro. Não há sincronia entre o externo e o interno, é estranho. Vontade de desistir de tudo, de recomeçar tudo outra vez, ou de nem tentar. Mas infelizmente não estamos num jogo. O “Game over” na vida é para sempre, não existem “Continues” ou “Extra lives”. O que foi escrito no imenso livro da vida nunca se apaga. Tudo é escrito à caneta, e não existem borrachas nem corretivos.
Por que não podemos ensaiar a vida primeiro?
Por que não podemos escrevê-la num rascunho para depois passá-la a limpo?
Porque ensaios e rascunhos são para perfeccionistas. A vida não é perfeita. Nós não somos perfeitos, por mais que tentemos. A vida é rígida com quem tenta vivê-la e pode ser severa às vezes. Ela exige que quem tropece em uma de suas armadilhas se levante! Caso este alguém fraqueje, corre sérios riscos de perdê-la. E depois do “Game over” não existe o “Try again”. Aí serão iniciadas outras formas de vida que aqui não cabe descrevê-las, pois nunca as vivi, nem possuo nenhum registro comprobatório.
O “rec” foi dado assim que fomos gerados, mas todos nós sabemos que o “stop” será acionado a qualquer momento, pois a fita da vida irá acabar. O “pause” não funciona, o “Rewind” também não, graças à autoridade do “rec”. Idem para o “Foward”. Mesmo se o “Foward” funcionasse, não conseguiríamos ver nada, devido à virgindade da fita. Tente prolongar ao máximo o tempo e a qualidade de gravação da sua fita, pois ela é definitiva. Ou melhor, em tempos de maior longevidade e tecnologia, por que não usar o dvd?