quarta-feira, 22 de março de 2006

Aqui jaz o amor II

Epitáfio:

“Enfim, morto. Foi uma honra ter existido em dois corações tão pululantes, mas infelizmente estes decretaram a minha morte. A esperança também foi morta, apesar de ter sido a última a vir falecer. Resta-me agora apenas deixar saudade para uns, e para outros, arrependimento, raiva e inimizade, pois assim decidiram eles.”

quarta-feira, 8 de março de 2006

Aqui jaz o amor

Vá, você agora é um homem livre... - disse ela. Ele não acreditava, ou não queria acreditar no que acabara de ouvir. Olhou mais uma vez profundamente nos olhos dela, mas não encontrava reciprocidade. Ela sorria, parecia feliz. Segurou a sua mão até não mais conseguir e separaram-se. Ele andava sem direção, estava chovendo, mas não percebera. Parou no ponto de ônibus e deu-se conta de que não lembrava o ônibus que devia pegar. Assim que o mesmo chegou, entrou e não parava de pensar no que acabara de acontecer. O seu mundo fora-se embora dizendo adeus e ele não sabia onde pisar, o que fazer e como não chorar. Ao chegar em casa uma grande nuvem de nostalgia invadiu o seu olfato, pois o cheiro dela estava em todos os cantos da casa. Como não lembrá-la? No dia seguinte, decidiu ligar e tentar ressuscitar o amor. Foi uma boa tentativa, porém em vão. Como não chorar? Seguros dariam perda total, legistas constatariam óbito, funerárias ofereceriam caixões e cemitérios o enterrariam de vez. Gemido morto, amor. E mais uma vez ele ergueu as velas do seu barco e saiu sem rumo, sem futuro, sem alguém para amar; só. Eternas ondas...

domingo, 5 de março de 2006

Rebuliço biofisiológico ou A prosopopéia dos Órgãos

- Senhor Cérebro, recebi informações de reações nervosas de que houve um vazamento de sangue no Coração. A situação é grave...
- Meu Deus... e você já sabe a causa?
- Uma desilusão amorosa senhor. A fulana, que há algum tempo estava morando no Coração, arrancou e levou um pedaço da sua antiga residência. Tenho informações também de que ela não pagava aluguel, nem contas de água e carboidratos.
- A situação é mesmo grave. O Coração não aprende nunca! Eu sempre o aconselho a seguir a minha palavra, que é a razão, porém ele nunca me ouve. Sempre fala mais alto. Já posso até ouvir ele falar: sentimento!
- Deixemos estas observações de lado, senhor. O que faremos? Precisamos agir rápido!
- Sei como lidar com esses vazamentos. Siga as minhas ordens...
- Sim senhor!
- As Glândulas Lacrimais precisam entrar em ação imediatamente! Mande-as funcionar, mesmo até quando os músculos faciais estiverem bastante inchados.
- Hum...
- Mande o Sistema Digestório fazer uma “operação tartaruga” e uma operação conjunta com o Hipotálamo. É preciso eliminar a fome e queimar gotas lipídicas excedentes.
- Hum...
- Precisamos diminuir a quantidade de leucócitos já!
- Hum...
- Reduza a quantidade de energia enviada aos Músculos Estriados Esqueléticos.
- Hum...
- Precisamos diminuir drasticamente a concentração de serotonina! Faça o Hipotálamo saber disso o quanto antes!
- Hum...
- Avise às Glândulas Supra-renais para produzirem mais cortisol.
- Hum...
- Por enquanto é só. Eu vou reduzir minhas atividades de neurotransmissão, o que irá provocar dor. Ah, só mais uma coisa: Avise a todos os órgãos que a qualquer momento podemos entrar em depressão.

Alguns meses depois...

- Senhor Cérebro, recebi informações de reações nervosas de que houve um vazamento de sangue no Coração. A situação é grave...
- Ai meu Deus do céu... vai começar tudo outra vez... um dia ainda vou ficar estressado! Você ainda tem aquele papel com as minhas ordens?